Há quem diga que o período de isolamento trouxe problemas para os casais. Que estar o tempo todo juntos ou o tempo todo separados foi um causador de discórdia para o relacionamento.
É verdade que o período de quarentena foi e está sendo algo diferente na vida de todos no mundo inteiro. É uma situação atípica que pode gerar muita ansiedade, afinal, quem de nós estava acostumado a ficar semanas a fio sem sair de casa? Mas discordo quando apontam que isso prejudicou os casais. Como psicólogo clínico e como estudante apaixonado pelo tema “relação amorosas”, vejo que o isolamento trouxe à tona a saúde do casal. Me explico.
Em nossa sociedade, há tempos, existe um conceito tido como verdade absoluta: de que só podemos ser feliz verdadeiramente se encontrarmos alguém para amar. Esse conceito de relacionamento tem sua base no que chamamos de “Amor Romântico” que, em linhas gerais, trata de um amor no campo do ideal, perfeito. Essa cobrança por si já gera inúmeras desordens tanto para o sujeito quanto para o casal. Mas vamos adiante. O cotidiano pré isolamento, que mais se assemelha a um caleidoscópio de compromissos, faz com que fiquemos anestesiados perante nossas relações. Não importa muito como está nosso casamento, sendo bom ou ruim, não tenho muito tempo para ele – o importante é que estou casado. Dessa forma é mais fácil sustentar uma visão romântica do relacionamento, porque, quando não lidamos com ele, há espaço para a fantasia, para o ideal. Nenhum ideal resiste à realidade.
Durante o isolamento toda essa rotina atribulada deu lugar à uma permanência em casa com o cônjuge. Não há mais anestesia. Foi preciso olhar para as relações de frente. Olhar para as relações que se tem no casamento e também com os filhos. Ou seja, se antes cada pessoa do casal saia cedo para ir trabalhar e tinha o dia todo com sua vida, sua individualidade, lidando com o parceiro(a) apenas de noite, quando retornava para casa, em isolamento foi preciso aprender (às vezes com muito custo) a passar o dia todo juntos, aprendendo (ou não) a equilibrar individualidade e conjugalidade.
Para muitos casais, isso não foi difícil. Muitas pessoas já formavam um casal saudável, que funcionava bem juntos. A pandemia só colocou isso à prova e o casal mostrou o quanto ficam bem mesmo na adversidade. Inclusive foi possível perceber como muitos casais se reaproximaram nesse isolamento. Voltaram a ser namorados, aproveitaram que poderiam ter mais tempo juntos. Assim como alguns pais passaram a conhecer melhor seus filhos.
Para outros casais a situações foi encarada um pouco diferente. Com a permanência constante em casa, a saúde frágil do relacionamento veio à tona. Brigas e implicações a todo momento ou ainda a indiferença e falta de diálogo foram os principais sintomas da exposição dessa fragilidade. Se antes era possível “fugir” da relação, seja com trabalho, clubes, shopping ou academia, no isolamento os casais tiveram que olhar para isso de frente. Nesse momento podemos voltar a pensar no imperativo social do casamento (quantos casais se casaram querendo se casar?) ou ainda no modelo que sustenta nossas relações do Amor Romântico (o quanto lidar com a realidade da minha esposa/marido não derruba a fantasia ou o ideal que eu alimentava por ela/ele?).
A arte de se relacionar bem, de ser feliz no amor reside na capacidade de manter o equilíbrio entre a sua individualidade e a conjugalidade do casal, bem como lidar com o que há de real da relação e do parceiro(a). Essa premissa é antiga e é graças a ela que muitos casais conseguem viver bem, feliz num relacionamento longevo.
Quando me questionam como eu vejo as relações numa situação pós pandemia penso que esses dois cenários podem se intensificar: o dos casais que valorizam e zelam por sua individualidade ao mesmo tempo que desfrutam a companhia da pessoa amada, não se alienando com a rotina e enfrentando as dores e delícias que a realidade nos apresenta; e também o cenários dos casais que vão idealizar ainda mais seu parceiro(a), tornando a relação com a realidade mais frustrante, aumentado talvez as tarefas cotidianas para não lidar com a realidade, podendo ainda abrir mão de sua individualidade em detrimento do casal – ou então abrindo mão da conjugalidade para viver exclusivamente sua vida individual.
De qualquer maneira, antes, durante ou após a pandemia, são basicamente dois cenários. Não há mal externo. Não há cura milagrosa. A relação conjugal saudável depende apenas do casal!